quarta-feira, 26 de maio de 2010

Opostos ou semelhantes?





" O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher o mais sublime dos ideiais.Deus fez para o homem um trono; para a mulher um altar. O trono exalta, o altar santifica.

O homem é o cérebro, a mulher o coração. O cérebro produz a luz, o coração o amor. A luz fecunda. O amor ressuscita.

O homem é um gênio; a mulher um anjo. O gênio é imensurável; o anjo indefinível. A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher a virtude extrema. A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.

O homem tem a supremacia; a mulher a preferência. A supremacia representa a força; a preferência o direito. O homem é forte pela razão; a mulher é invencivél pela lágrima. A razão convence, a lágrima comove.

O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher de todos os martírios. O heroísmo enobrece, o martírio sublima. O homem é o código; a mulher o evangelho.O código corrige; o evangelho aperfeiçoa. O homem é um templo; a mulher um sacrário. Ante o templo, nós nos descobrimos; ante o sacrário, ajoelhamo-nos.

O homem pensa; a mulher sonha. Pensar é ter cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola. O homem é um oceano; a mulher um lago. O oceano tem a pérola que o embeleza; o lago tem a poesia que o deslumbra. O homem é a águia que voa; a mulher um rouxinol que canta. Voar é dominar os espaços; cantar é conquistar a alma. O homem tem um fanal: a consciência. A mulher tem uma estrela: a esperança salva.

Enfim o homem está colocado onde termina a Terra. A mulher onde começa o Céu."

(Victor Hugo)

Mãe





" Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração; ser mãe é ter no alheio
lábio que suga o pedestal do seio
onde a Vida, onde o amor, cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormido, é ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equelibra.

Todo bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
luz que lhe põe nos olhos novo brilho.

Ser mãe é andar chorando num sorriso,
ser mãe é ter um mundo e não ter nada,
Ser mãe é padecer no paraíso"

(Coelho Neto)

sábado, 22 de maio de 2010

Salmo XXIII




"O Senhor é meus Pastor,
Nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos,
Guia-me mansamente
A águas tranquilas,
Refrigera minh'alma,
Guia-me nas veredas da justiça
Por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse
Pelo vale das sombras da morte,
Não temerei mal algum
Por que Tu estás comigo...
A tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas-me o banquete do amor
Na presença dos meus inimigos,
Unges de perfume a minha cabeça,
O meu cálice transborda de júbilo!...
Certamente,
A bondade e a misericordia
Seguirão todos os dias de minha vida
E habitarei na casa do Senhor
Por longos dias..."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Reinvenção




A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


(Cecilia Meireles)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Continuidade




I

"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai,à porta do Ateneu. COragem para a luta."Bastante experimentei depois a verdade desse aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artíficio sentimental com a vantagem única de fazer mais sensivel a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos: Como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, atentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fanstástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais de púrpura ao crepúsculo-a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida."

*Trecho do livro O Ateneu, de Raul Pompéia.

Navio Negreiro




IV

Em sonhos dantesco...o
tombadilho
Que das luzernas avermelha o
brilho
Em sangue a se banhar.
TInir de ferros...estalar do açoite...
Legiões de homens negros como
a noite
Horrendos a danças...
Negras mulheres suspendendo
às tetas
Magras crianças, cujas as bocas
pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mais nuas e
espantadas
No turbilhão de espectros
arrastadas,
EM ânsia e magóas vãs!
E ri-se a orquestra, irônica,
estridente...
E da ronda fanstástica a serpende
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão
resvala,
Ouvem-se os gritos...o chicote estata.
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro
Enlouquece
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda
a manobra.
E após fitando o céu que se
desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos
nevoeiros:
"Vibrai rijo o marinheiros!
Fazei-os dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica,
estridente...
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonhos dantesco as
sombras voam!
Gristos, ais, maldições, preces
ressoam!
E ri-se Satanás!

(Castro Alves)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Pedra Bonita




"O toque do sino dava-lhe um gozo estranho. Só podia ser que o diabo estivesse atrás dela, metendo-lhe aquilo pelo corpo. Queria fugir do pensamento, das imagens obscenas, mas as bichas eram vivas demais. Voltava sempre a missa com desejos infernais. Via Antônio Bento de perto, com aquela opa vermelha até os pés, e imaginava que ele fosse um padre e ela a rapariga do padre.(...)À tarde, a mesma hora, vinha-lhe a coisa. O corpo inteiro vibrando, a ânsia, a agonia, o frio pela espinha e D. Fausta caía para os lados aos gritos."


(Pedra Bonita-José Lins do Rego)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Eu




Eu sou a que no mundo anda perdida
EU sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida
E que o destino amargo, triste e forte
Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida
Sou aquela que passa e ninguém vê
Sou a quem chamam triste sem o ser
Sou talvez a visão que alguém sonhou
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela de Alma da Conceição Espanca)

Sermão do Mandato




O primeiro remédio que diziámos, é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera? São as afeiçoes como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São as linhas, que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os Antigos sabiamente pintaram o amor menino; por que não amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já nao atira; embotalhe as setas, com que já nao fere; abre-lhes os olhos, com que vê o que nao via. e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é por que o tempo tira a novidade das coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e bastam que sejam usadas para que não sejam mais as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.

(Padre Antonio Vieira)

Será que ele me viu?




Vê lá tu, meu amor, como foste te iludir!
Ah coitado de ti enganaste-te e enganaste-me com esperanças mentirosas.
Tantas esperanças nos dava o nosso amor, e causa-nos agora o mortal desespero que só pode comparar-se à crueldade desta separação.
Pois que! A Tua ausência, para que a minha dor não ache nome bastante triste, há privar-me para sempre de mirar nos teus olhos, onde eu via tanto amor, que me enchiam de alegria, que eram tudo para mim?
AI de mim! Os meus olhos perderam a luz que os alumiava e não fazem senão chorar.

(...)

(Sóros Mariana Alcoforado)

O Auto da Barca do Inferno

Ninguém
Que andas tu aí buscando?

Todo o mundo
Mil cousas ando a buscas:
delas não posso achar.
porém ando perfiando,
por quão bom é perfiar.

Ninguém

Como hás nome cavaleiro?

Todo o mundo
Eu hei nome Todo o Mundo,
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.

Ninguém

E eu hei nome Ninguém.
e busco a consciência.

(Belzebu para Dinato)
Está é boa experiência!
Dinato, escreve isto bem.

Dinato

Que escreverei companheiro?

Belbezu

Que ninguém busca consciência,
E Todo o Mundo dinheiro.

(Ninguém para Todo o Mundo)
E agora que buscas lá?

Todo o Mundo
Busco honra muito grande

Ninguém

E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.

(Belbezu para Dinato)
Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Nnguém busca virtude.

Ninguém
Buscas outro mor bem qu'êsse?

Todo o Mundo
Busco mais quem me louvasse
Tudo quanto eu fizesse.

Ninguém
E eu quem me repreendesse
Em cada cousa que errasse.

(Belzebu para Dinato)

Escreve mais

Dinato
Que tens sabido?

Belzebu
Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
E Ninguém ser repreendido.

(Gil Vicente)

quarta-feira, 5 de maio de 2010