sexta-feira, 2 de outubro de 2015

SESSÃO ESPECIAL CLARICE LISPECTOR


 Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida.
 Tudo deve estar sendo o que é!
 Do zero ao infinito vou caminhando sem parar.
 O corpo é a sombra de minha alma.
 Os infelizes se compensam.
 Tempo para mim significa a desagregação da matéria.
 Escrevo muito simples e muito nu: Por isso fere.
 Inspiração não é loucura: é Deus.
 Pois também eu solto minhas amarras: mato o que me perturba.
 Escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma.
 O que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e na penumbra.
 Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim.

Haverá outro modo de salvar-se, se não o de criar as próprias realidades?
Esses fragmentos de livros querem dizer que eu trabalho em ruínas.
Meu reflexo não estava no espelho, mas refletia uma pessoa que não eu.
Todos nós estamos sob pena de morte.
Sou vários caminhos inclusive o fatal beco sem saída!
Como escritor: espalho sementes.
Estou me sentindo como se já tivesse alcançado secretamente o que eu queria e continuasse a não saber o que eu alcancei
Nos braços de alguém eu morro toda.
Eu te amo como se sempre tivesse dizendo Adeus.
Quando leio uma coisa que não entendo sinto uma vertigem doce e abismal.
Passo pelos fatos o mais rapidamente possível porque tenho pressa.
Ter dentro de mim o contrário do que sou é uma essência imprescindível.
Cadê eu? perguntava-me. E quem respondia era uma estranha que me dizia fria e categoricamente: tu és tu mesma.
A prova de que estou recuperando a saúde mental é que estou a cada minuto mais permissiva.
Depende de mim o seu destino?
O sentimento por um ser aprofunda o coração dentro do coração.
Civilizar minha vida é expulsar-me de mim.
O que me mata é o cotidiano. Eu queria só exceções. Estou perdida: eu não tenho hábitos.


Sou uma atriz, apareço, digo o que sei e saio do palco.
Vou voar baixo para não esquecer o chão.
Finjo que não quero. Termino por acreditar que não quero e só então a coisa vem. As coisas acontecem indiretamente. Elas vem de lado.
Meu pensamento é apenas o sussurro de minhas folhas e galhos.
Eu sou sem ter consciência disso uma armadilha.
Eu sou uma miragem de tanto querer ver-me eu me vejo.
Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer.
Se eu não me amar estarei perdida - porque ninguém me ama ponto de ser eu, de me ser.
Tenho que me querer pra dar alguma coisa a mim.
Os maus é que tem que ser perdoados.
Os inocentes tem em si mesmo o perdão.
Tenho medo do instante que é sempre único.
Se a voz de Deus se manifesta o silêncio, eu também me calo silencioso. Adeus.



PARTE I: UM SOPRO DE VIDA  - (ESPELHO MEU - MELHORES MOMENTOS)
LIVRO: AS PALAVRAS - NADA TEM HAVER COM AS SENSAÇÕES: PALAVRAS SÃO PEDRAS DURAS E AS SENSAÇÕES DELICADÍSSIMAS, FUGAZES E EXTREMAS.
(CLARICE LISPECTOR)

terça-feira, 10 de março de 2015

O grande vazio na escuridão preenchida



Porque invariavelmente muitas vezes menos é mais, e para quem tem muito pouco, o pouco é muito, e para quem tem muito nunca se é tarde para dar valor ao que se tem, antes que o que lhe reste for nada, que é a forma não solida e prepotente do tudo existir.



(Lais Barreto Peixoto)
  Se os olhos são o espelho d'alma, por favor não tire a venda que cobre os meus, para que você não enxergue o que meu eu esconde, entre os limiares que me fazem ser quem eu sou, e desejar ser quem eu fui. (Lais Barreto Peixoto)

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Viagem em circulo (Repetição)


a esperança me o-
briga a caminhar
em círculo em tor-
no do globo em tor-
no de mim mesmo em
torno de uma mesa
de jogO

até que o zodíaco
pára e a noite cos-
tura-me a boca a
retrós preto/ mas
eu fico impresso
no olho do dia o-
bsoletO

viagem em círculo
sem ida nem venida
sem nenhuma aveni-
da/ adeus com a mão
esquerda/ amanhã
recomeçO

entre e um e outro

julho entre um e
outro crepúsculo a
cidade que busco
como hei de encon-
trá-la/ ouço-lhe a
fala mas estou na
outra sala/ amanhã
recomeçO

a esperança é um
círculo no zodía-
co na ciranda na
roleta na rosa do
circo na roda do
moinho
amanhã recomeçO

em que lado do glo-
bo terá cessado o
diálogo da ovelha
e do lobO
                  ?


Autor: Cassiano Ricardo

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

LÍNGUA PORTUGUESA"

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...


Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!


Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,


Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Olavo Bilac (1865 - 1918)

Dois e Dois: Quatro




Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena

- sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.
Ferreira Gullar
    -Seguimos, mesmo contando os dias, e através dos dias contados, renascemos e morremos dentro da vida (Laís BP).