segunda-feira, 26 de julho de 2010

Operário em Construção

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um passáro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missao:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato como podia
Um operario em contrução
Compreender por que um tijolo
Valia mais que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pãp, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operario ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria:
Não fosse, eventualmente
Um operario em construção.

(...)

(Vinicius de Moraes)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Soneto

De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a ultima chama
e de paixão fez-se o pressentimento
e do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais do que de repente
fez-se de triste o que fez amante
e de sozinho o que se fez contente

fez-se do amigo próximo o distante
fez-se da vida uma aventura errante
de repente, não mais que de repente.

(Vinicius de Moraes)

Além da Imaginação



Tem gente passando fome.

E não é a fome que voce imagina

entre uma refeição e outra.

Tem gente sentindo frio.

E não é o frio que voce imagina

entre o choveiro e a toalha.

Tem gente muito doente.

E não é a doença que você imagina

entre a receita e a aspirina.

Tem gente se esperança.

E não é o desalento que voce imagina

entre o pesadelo e o despertar.

Tem gente pelos cantos.

E não são os cantos que voce imagina

entre o passeio e a casa.

Tem gente sem dinheiro.

E não é a falta que voce imagina

entre o presente e mesada.

Tem gente pedindo ajuda.

E não é aquela que voce imagina

entre a escola e a novela.

Tem gente que existe e parece imaginação.


(Ulisses Tavares)

A deusa dos raios azulados





Nas noites de verão, ou todas as noites, depois do jantar, o pai abandona a mesa. Ainda com a xícara de café na mão, ele se dirige à caixa quadrada. A deusa dos raios azulados espera o toque. Para emitir o som e a luz, imagem e movimento. Todos se ajeitam. O lugar principal é do pai. Ninguém conversa. Não há o que falar. O pai nao traz nada da rua, do dia a dia, do escritorio. Os filhos não perguntam, estão proibidos de interromper. A mulher mergulha na telenovela, no filme. Todos sabem que não virá visita. E se vier alguma, vai chegar antes da telenovela. Conversas esparsas durantes os comerciais. A sensação é que basta estar junto. Nada mais. Silenciosa, a família contempla a caixa azulada. Os olhos excitados, cabeças inflamadas. Recebendo, recebendo. Enquanto o corpo suportar, estarão ali. Depois, tocarão o botão e a deusa descansará. Então as pessoas vão para as camas, deitam e sonham. Com as coisas vistas. Sempre vistas através da caixa. Nunca sentidas ou vividas. Imunizadas que estão contra a própria vida.


(Ignácio de Loyola)

Quem...?

"Quem seria mais frágil, o menino ou a rosa? Ah quem pode dizer neste país quanto durará um menino?"

(Rachel de Queiroz)

terça-feira, 6 de julho de 2010

~~


Represália

Eles ceifaram as flores
que enfeitariam o espaço
de brincar dos nossos filhos.

Mas eles não sabem
que trazemos nos bolsos
as sementes,
e que debaixo de nossas unhas
ainda é primavera.

(Edmir Corrêa Cardoso)


Aqui não há mais passaros nem peixes.
Os defuntos são enterrados sem flores.
E nossos corações também secaram.
Não temos mais amor.
Ao anoitecer nossas sombras deixam de rastejar
no chão duro que cega as enxadas
E olhamos com rancor o céu estrelado
Mas fomos nós que derrubamos as florestas e secamos o rio
Este deserto já foi nosso reino

(Ledo Ivo)

Até restar o deserto




"Possuido por uma estranha impulsão, ele não queria ir á escola, não queria ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das mais diversas qualidades e tipos"

(Ignácio de Loyola)

Reflexão


Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

(PoemaVinicius de Moraes
Imagem: Salvador Dalli)