quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Digo sim


POderia dizer
que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com os pés em flor
nos campos do meu páis,
com os pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
        e que eu coração
é um sol de esperança entre pulmões
          e nuvens.

Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
           no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida.
          Mas não. O poeta mente.

A vida nós a amassamos em sangue
          e samba
enquanto gira inteira a noite
sobra a patria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
            em meio a fome
            e dizendo sim
-em meio à violência e a solidão dizendo
sim-
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
          pelo meu filho perdido
          pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e pelo que cega
           pelo que virá en fim,
           não digo que a vida é bela
           tampouco me nego a ela:
           -digo sim

(Ferreira Gullar)

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