segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Fazendo a barba


- A morte não é um espetáculo agradável pra os jovens. Alías, para ninguém.
Começou a pincelar o rosto do morto. A barba, de uns quatro dias, estava cravada.

Através da porta fechada vinha o murmúrio de vozes abafadas rezando um terço. Lá fora o céu ia acabando de clarear; um ar fresco entrava pela janela aberta do quarto.
O barbeiro devolveu o pincel e a vasilhinha, o rapaz já estava com a navalha na mão e o afiador. Pôs a vasilhinha com o pincel na mesa.
O barbeiro afiva a navalha. No salão era conhecido seu estilo de afiar, acompanhando trechos alegres da musica classica que ele ia assobiando. Ali no quarto, ao lado do morto, afiava num ritmo diferente, mais espaçado e lento; alguém poderia quase deduzir que em sua cabeça o barbeiro assobiava uma marcha funebre.
- è tão esquisito- disse o rapazinho.
- Esquisito?- o barbeiro parou de falar.
- A gente fazer a barba dele...
O barbeiro olhou para o morto:
- Que é que não é esquisito?- disse.- Ele, nós, a morte, a vida; que é que não é esquisito?"

(Luiz Vilela)

Nenhum comentário:

Postar um comentário