terça-feira, 18 de maio de 2010

Continuidade




I

"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai,à porta do Ateneu. COragem para a luta."Bastante experimentei depois a verdade desse aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artíficio sentimental com a vantagem única de fazer mais sensivel a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos: Como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.

Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, atentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fanstástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais de púrpura ao crepúsculo-a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida."

*Trecho do livro O Ateneu, de Raul Pompéia.

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