terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sementeira


    

 Ora, a modéstia e inocência infelizmente faltavam já ao coração de Cândida, a modéstia movida pela vaidade, a inocência do pensamento e do sentimento, a inocência essa noute edênica do sono sem sonhos do querubim que não sabe desejar, consumida pela luz da ciência negra acesa pelo sopro da escrava.

    As observações imorais, e o elogio honesto e nobre, a lição da escrava e a inspiração do homem livre, os impétos exigentes da vaidade e o reconhecimento do poder e do encanto da modéstia e da inocência não podiam combinar-se porque se repugnavam, amalgaram-se porém à força do espírito já egoísta e viciado de Cândida, e dessa mistura de príncipios contraditórios e repulsivos uns dos outros tirou ela, sem o pensar talvez, um sistema vil, indigno da sua idade generosa, da educação que devia a seus pais, e da nobreza do sexo, um sistema que se resumia, e que se resumiu em uma palavra - Hipocrisia.

   Cândida não teve consciência da enormidade e da fealdade do seu erro:  quis ser incensada, amada, adorada, porque era vaidosa, e parecer, fingir-se modesta e inocente, porque a modéstia e a inocência realçam a beleza. (...)

A mão de escrava tinha semeado no campo ingênuo e virgem coração de menina: a colheita de espinhos era certa.

  * Trecho de As Vítimas Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo.

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