segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Recanto
É muito mais escuro quando uma luz se apaga do que seria se ela nunca tivesse se acendido" (John Steinberg)
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Luís
Ao desconcerto do Mundo Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E pera mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só pera mim, Anda o Mundo concertado. Luís de Camões
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Soneto de amor total
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
domingo, 24 de outubro de 2010
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Quem sabe então assim...
O nosso amor não vai parar de rolar
De fugir e seguir como um rio
Como uma pedra que divide um rio
Desencantar, nem ser tema de livro
A vida inteira eu quis um verso simples
P'ra transformar o que eu digo
Fure o dedo, faz um pacto comigo
Num segundo teu no meu
Por um segundo mais feliz
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Razão de Ser
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
sRsR
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Filme
Sinopse:
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Moraliza o poeta nos ocidentes do sol a inconstância dos bens do mundo
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância
O pulso ainda pulsa...
Câncer, pneumonia
Raiva, rubéola
Tuberculose e anemia
Rancor, cisticircose
Caxumba, difteria
Encefalite, faringite Gripe e leucemia...
E o pulso ainda pulsa
Estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo
Esquizofrenia
Úlcera, trombose
Coqueluche, hipocondria
Sífilis, ciúmes
Asma, cleptomania...
E o corpo ainda é pouco
Assim...
Cistite, disritmia
Hérnia, pediculose
Tétano, hipocrisia
Brucelose, febre tifóide
Arteriosclerose, miopia
Catapora, culpa, cárie
Câimba, lepra, afasia...
E o corpo ainda é pouco
Ainda pulsa
Ainda é pouco
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Barão Vermelho
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Transformando
"mire, veja: o mais importante e bonito do mundo é isto; que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam."
(Guimarães Rosa)
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Crime e Castigo
Interrogado pelo comissário, jurou inocência. Inquerido pelo delegado, voltou a jurar. Não acreditaram. Doi indiciado, pronunciado, julgado, condenado. Sempre gritando que estava inocente.
assem novamente, para agravamento de pena.
No fim de cinco anos de prisão, acabou convencido de que era mesmo culpado. Pediu que o julgassem de novo para agravamento de pena. Em vez disto, soltaram-no porque findara a pena.
Saiu confuso, já não tinha certeza se era inocente ou culpado, ou as duas as coisas ao mesmo tempo. como toda gente.
(Carlos Drummond de Andrade)
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
A verdade
- Tal fervor pela verdade!Perdoe-me, professor Niestzshe, se soô desafiador, mas concordamos em falar a verdade. O senhor fala sobre a verdade em um tom sagrado, como se quisesse substituir uma religião pela outra. Permita-me bancar o advogado do diabo. Permita-me perguntar: por que tal paixão, tal reverência pela verdade? Em que ela beneficiará meu paciente desta manhãa?
- Não é a verdade que é sagrada, mas a procura de nossa própria verdade! Haverá ato mais sagrado do que a auto-inquirição? Minha obra filósofica, dizem alguns, está erigida sobre areia: meus pontos de vista mudam constantemente. Mas uma de minhas sentenças de granito é: "Torna-te quem tu és." E como descobrir quem e o que se é sem a verdade?"
(Conversa entre Niestzshe e Buier)
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
A cigarra e a formiga
Todo amor que houver nessa vida
Com sabor de fruta mordida
Nós na batida, no embalo da rede
Matando a sede na saliva"
"E ser artista no nosso convívio
Pelo inferno e céu de todo dia
Pra poesia que a gente não vive
Transformar o tédio em melodia"
"E se eu achar a tua fonte escondida
Te alcanço em cheio, o mel e a ferida
E o corpo inteiro como um furacão
Boca, nuca, mão e a tua mente não (...)"
(Frejat/Cazuza)
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Relatarei sumariamente a doçura da liberdade
- Diga-me de onde vem tanta exuberância? Que comida lhe deu esta corpulência? Eu, que sou bem mais corajoso que vocês, morro de fome.
- O mesmo destino lhe espera, se você puder servir o dono de maneira idêntica, responde bondosamente o cão.
- Em quê? Pergunta o outro.
- Vigiar a entrada, proteger a casa contra ladrões, mesmo à noite.
- Estou, seguramente, disposto à isso! Por ora sofro com a neve e a chuva, levo uma vida árdua nas florestas; como me seria mais comôdo viver sob um teto sem fazer nada, alimentar-me e sciar-me de comida!
- Siga-me então.
No caminho, o lobo reparou no pescoço do cão, que a coleira tinha marcado:
- De onde vem isso, meu amigo?
- Não é nada.
- Conte-me, eu lhe peço.
- Acham-me muito fogoso, por isso prende-me durante o dia para que eu repouse qundo está claro e para que eu zele quando chega a noite. No crepúsculo, sou desatado e vou onde quero. Sem que eu tenha que me mexer, trazem-me pão, de sua mesa meu dono me dá ossos e as pessoas da casa atiram-me porções de tudo aquilo que não querem. Assim, sem me cansar, encho o meu estômago.
- E diga-me, se você quiser ir a algum lugar, você pode?
- Não, absolutamente.
- Seja feliz a seu modo, cão, não gostaria de um trono que me tirasse a liberdade.
(Jaime Pinsky)
Sementeira
Ora, a modéstia e inocência infelizmente faltavam já ao coração de Cândida, a modéstia movida pela vaidade, a inocência do pensamento e do sentimento, a inocência essa noute edênica do sono sem sonhos do querubim que não sabe desejar, consumida pela luz da ciência negra acesa pelo sopro da escrava.
As observações imorais, e o elogio honesto e nobre, a lição da escrava e a inspiração do homem livre, os impétos exigentes da vaidade e o reconhecimento do poder e do encanto da modéstia e da inocência não podiam combinar-se porque se repugnavam, amalgaram-se porém à força do espírito já egoísta e viciado de Cândida, e dessa mistura de príncipios contraditórios e repulsivos uns dos outros tirou ela, sem o pensar talvez, um sistema vil, indigno da sua idade generosa, da educação que devia a seus pais, e da nobreza do sexo, um sistema que se resumia, e que se resumiu em uma palavra - Hipocrisia.
Cândida não teve consciência da enormidade e da fealdade do seu erro: quis ser incensada, amada, adorada, porque era vaidosa, e parecer, fingir-se modesta e inocente, porque a modéstia e a inocência realçam a beleza. (...)
A mão de escrava tinha semeado no campo ingênuo e virgem coração de menina: a colheita de espinhos era certa.
* Trecho de As Vítimas Algozes, de Joaquim Manuel de Macedo.
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Muito de mim

segunda-feira, 26 de julho de 2010
Operário em Construção
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um passáro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missao:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operario em contrução
Compreender por que um tijolo
Valia mais que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pãp, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operario ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria:
Não fosse, eventualmente
Um operario em construção.
(...)
(Vinicius de Moraes)
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Soneto

silencioso e branco como a bruma
Além da Imaginação

A deusa dos raios azulados

Quem...?
(Rachel de Queiroz)
terça-feira, 6 de julho de 2010
~~

Eles ceifaram as flores
que enfeitariam o espaço
de brincar dos nossos filhos.
Mas eles não sabem
que trazemos nos bolsos
as sementes,
e que debaixo de nossas unhas
ainda é primavera.
(Edmir Corrêa Cardoso)

Os defuntos são enterrados sem flores.
E nossos corações também secaram.
Não temos mais amor.
Ao anoitecer nossas sombras deixam de rastejar
no chão duro que cega as enxadas
E olhamos com rancor o céu estrelado
Mas fomos nós que derrubamos as florestas e secamos o rio
Este deserto já foi nosso reino
(Ledo Ivo)
Até restar o deserto
Reflexão
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada
(PoemaVinicius de Moraes
Imagem: Salvador Dalli)
domingo, 13 de junho de 2010
sábado, 12 de junho de 2010
Inesperado
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Um Apólogo

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa.(...) pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa,(...). E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
(Machado de Assis)
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Opostos ou semelhantes?

" O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher o mais sublime dos ideiais.Deus fez para o homem um trono; para a mulher um altar. O trono exalta, o altar santifica.
O homem é o cérebro, a mulher o coração. O cérebro produz a luz, o coração o amor. A luz fecunda. O amor ressuscita.
O homem é um gênio; a mulher um anjo. O gênio é imensurável; o anjo indefinível. A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher a virtude extrema. A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher a preferência. A supremacia representa a força; a preferência o direito. O homem é forte pela razão; a mulher é invencivél pela lágrima. A razão convence, a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher de todos os martírios. O heroísmo enobrece, o martírio sublima. O homem é o código; a mulher o evangelho.O código corrige; o evangelho aperfeiçoa. O homem é um templo; a mulher um sacrário. Ante o templo, nós nos descobrimos; ante o sacrário, ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha. Pensar é ter cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola. O homem é um oceano; a mulher um lago. O oceano tem a pérola que o embeleza; o lago tem a poesia que o deslumbra. O homem é a águia que voa; a mulher um rouxinol que canta. Voar é dominar os espaços; cantar é conquistar a alma. O homem tem um fanal: a consciência. A mulher tem uma estrela: a esperança salva.
Enfim o homem está colocado onde termina a Terra. A mulher onde começa o Céu."
(Victor Hugo)
Mãe

" Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração; ser mãe é ter no alheio
lábio que suga o pedestal do seio
onde a Vida, onde o amor, cantando vibra.
Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormido, é ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equelibra.
Todo bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
luz que lhe põe nos olhos novo brilho.
Ser mãe é andar chorando num sorriso,
ser mãe é ter um mundo e não ter nada,
Ser mãe é padecer no paraíso"
(Coelho Neto)
sábado, 22 de maio de 2010
Salmo XXIII

"O Senhor é meus Pastor,
Nada me faltará.
Deitar-me faz em verdes pastos,
Guia-me mansamente
A águas tranquilas,
Refrigera minh'alma,
Guia-me nas veredas da justiça
Por amor do seu nome.
Ainda que eu andasse
Pelo vale das sombras da morte,
Não temerei mal algum
Por que Tu estás comigo...
A tua vara e o teu cajado me consolam.
Preparas-me o banquete do amor
Na presença dos meus inimigos,
Unges de perfume a minha cabeça,
O meu cálice transborda de júbilo!...
Certamente,
A bondade e a misericordia
Seguirão todos os dias de minha vida
E habitarei na casa do Senhor
Por longos dias..."
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Reinvenção

A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... - mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só - na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
(Cecilia Meireles)
terça-feira, 18 de maio de 2010
Continuidade
.jpg)
I
"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai,à porta do Ateneu. COragem para a luta."Bastante experimentei depois a verdade desse aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artíficio sentimental com a vantagem única de fazer mais sensivel a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos: Como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam.
Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das aspirações que se transformam, atentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a mesma base fanstástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração cambiante das horas, um pouco de ouro mais de púrpura ao crepúsculo-a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida."
*Trecho do livro O Ateneu, de Raul Pompéia.
Navio Negreiro

IV
Em sonhos dantesco...o
tombadilho
Que das luzernas avermelha o
brilho
Em sangue a se banhar.
TInir de ferros...estalar do açoite...
Legiões de homens negros como
a noite
Horrendos a danças...
Negras mulheres suspendendo
às tetas
Magras crianças, cujas as bocas
pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças, mais nuas e
espantadas
No turbilhão de espectros
arrastadas,
EM ânsia e magóas vãs!
E ri-se a orquestra, irônica,
estridente...
E da ronda fanstástica a serpende
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja, se no chão
resvala,
Ouvem-se os gritos...o chicote estata.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro
Enlouquece
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda
a manobra.
E após fitando o céu que se
desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos
nevoeiros:
"Vibrai rijo o marinheiros!
Fazei-os dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica,
estridente...
E da ronda fantastica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual num sonhos dantesco as
sombras voam!
Gristos, ais, maldições, preces
ressoam!
E ri-se Satanás!
(Castro Alves)
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Pedra Bonita

"O toque do sino dava-lhe um gozo estranho. Só podia ser que o diabo estivesse atrás dela, metendo-lhe aquilo pelo corpo. Queria fugir do pensamento, das imagens obscenas, mas as bichas eram vivas demais. Voltava sempre a missa com desejos infernais. Via Antônio Bento de perto, com aquela opa vermelha até os pés, e imaginava que ele fosse um padre e ela a rapariga do padre.(...)À tarde, a mesma hora, vinha-lhe a coisa. O corpo inteiro vibrando, a ânsia, a agonia, o frio pela espinha e D. Fausta caía para os lados aos gritos."
(Pedra Bonita-José Lins do Rego)